quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Por que o justo sofre?

Existe apenas uma questão que realmente importa: Por que coisas ruins acontecem a pessoas boas?

As desgraças que atingem as pessoas boas não são um problema apenas para as próprias vítimas.

Passam a ser problema para todos os que desejam acreditar em um mundo justo.

Não é necessário ser santo ou alguém excepcionalmente dotado para que se sinta o problema.

Uma das maneiras encontradas a cada geração para dar sentido ao sofrimento humano é supor que somos merecedores do que nos acontece, que de algum modo as desgraças sobrevêm como punição para nossos pecados.

Gratifica-nos de certo modo acreditar que coisas ruins acontecem às pessoas (especialmente outras pessoas) porque Deus é um juiz justo que lhes dá exatamente o que merecem. Acreditando nisto, o mundo é compreensível e tudo está em ordem. E, assim, podemos manter a imagem de um Deus amoroso, onipotente e controlador absoluto. Dada a realidade da natureza humana, dado o fato de nunhum de nós ser perfeito e de todos podermos, sem muita dificuldade, admitir que fizemos algo que não deveríamos ter feito, conseguimos sempre encontrar justificativas para o que nos acontece.

A idéia de que Deus dá às pessoas o que elas merecem, de que nossos desmandos causam nossas desgraças, de certa forma é uma solução tranquila e atraente para o problema, mas tem numerosas e sérias limitações.  Ela ensina as pessoas a se censurarem. Cria culpa mesmo onde não há razão para culpa. Faz as pessoas odiarem Deus, embora odiando-se também a si mesmas. E, mas perturbador que tudo, nem sequer se adapta aos fatos. 

Algumas vezes tentamos dar sentido às provações da vida dizendo que as pessoas de fato recebem o que merecem, mas só ao longo do tempo. Num certo momento, a vida pode parecer iníqua e seres inocentes sofrem baques pesados. Mas estamos convencidos de que, com o correr do tempo, veremos a justiça do plano de Deus emergir.

Muiras vezes, as vítimas de infortúnios tentam consolar-se com a idéia de que Deus tem boas razões para deixar que tais coisas lhes aconteçam, razões que elas não estão em condições de julgar.

Examinemos uma questão: O sofrimento pode ser educativo? Pode acabar com nossos defeitos e melhorar a gente?

O problema de tal linha de raciocínio é que ela realmente não ajuda a quem sofre nem explica seu sofrimento. Preocupa-se em primeiro lugar com a defesa de Deus, usando palavras e idéias que transformem o mal em bem e a dor em privilégio.

Respostas deste tipo são estruturadas por pessoas que acreditam firmemente que Deus é um pai amoroso no controle de tudo o que nos acontece, e, baseadas nesta crença, ajustam e interpretam os fatos de acordo com sua presunção. No entanto, aqueles que explicam o sofrimento como uma maneira de Deus nos ensinar a mudar ficam deveras embaraçados quando devem mostrar o que é que precisa ser mudado.

Se não podemos satisfatoriamente explicar o sofrimento dizendo que merecemos o que recebemos ou que se trata de uma "cura" para nossas faltas, podemos aceitar a interpretação da tragédia como um teste?

Fui pai de uma criança deficiente durante 14 anos, até sua morte. A idéia de que Deus me escolheu por causa de uma força interior especial e porque sabia que eu era capaz de me sair melhor que os outros não me confortou. Tal idéia não me fez sentir um "privilegiado" nem me ajudou a compreender por que razão Deus precisa, a cada ano, enviar crianças deficientes a centenas de milhares de famílias insuspeitas.

Deus "manda o frio de acordo com o agasalho"? Ele nunca exige mais do que podemos suportar?

Minha experiência, infelizmente, não comprova isto.

Quando tudo o mais falha, alguns tentam explicar o sofrimento fazendo-nos acreditar que ele nos libera de um mundo de angústia e nos leva a um lugar melhor.

Por vezes, relutando em admitir que vivemos num mundo injusto, tentamos persuadir-nos de que o que nos aconteceu não é realmente ruim. Nós é que pensamos que é. Outras vezes, usamos nossa destreza mental para convencer-nos de que o que chamamos de mal não é real, não existe na realidade, não passa de uma condição precária da bondade.

Mortes e ferimentos não deixam de ser reais por causa de nossas habilidades verbais.

Pelo fato de nossas almas ansiarem pela justiça e por desejarmos tão desesperadamente acreditar que Deus age certo conosco, frequentemente nossas esperanças se prendem à idéia de que a vida neste mundo não é a única realidade. Em algum lugar, após a morte, existe um mundo onde "os últimos serão os primeiros", onde aqueles cujas vidas foram ceifadas cedo aqui na terra se reunirão a seus entes queridos, com os quais passarão a eternidade.

Nada sabemos, nem eu nem qualquer outra pessoa, sobre a realidade desta esperança.

A crença em um mundo futuro, onde os inocentes são compensados por seu sofrimento, pode ajudar as pessoas a suportar as injustiças deste mundo sem perder a fé. Mas pode também servir de desculpa para não nos sentirmos perturbados e ultrajados pela injustiça que nos rodeia e, assim, não usarmos a inteligência que Deus nos deu para agir contra essa situação.

Todas as respostas à tragédia que consideramos acima têm pelo menos uma coisa em comum. Todas elas pressupõem que Deus é a causa de nosso sofrimento e tentam fazer-nos entender por que Deus deseja que soframos. É para nosso bem, é uma punição que merecemos, ou quem sabe Deus pouco se importa com o que nos acontece?

Muitas respostas são inteligentes e imaginativas, porém nenhuma é totalmente satisfatória. Algumas nos levam a criticar-nos para salvar a reputação de Deus. Outras pedem que neguemos a realidade ou reprimamos nossos próprios sentidos. Acabamos odiando-nos a nós mesmos por merecermos tal destino ou odiando a Deus por nô-lo enviar quando não o merecemos.

O salmista escreve: "Elevo meus olhos para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra." (Salmo 121:1-2) Ele não diz "Minha angústia vem do Senhor" ou Minha tragédia vem do Senhor". Ele diz: "Minha ajuda vem do Senhor."

Viriam mesmo de Deus as coisas ruins que nos afligem? Ou, quem sabe, não fica Ele ao nosso lado pronto para ajudar-nos a enfrentar nossas tragédias, sob a única condição de que consigamos repelir os sentimentos de culpa e raiva que nos separam dEle?

Não poderia realmente estar mal colocada a pergunta: "Como Deus pode fazer isto comigo?"

(Harold S. Kushner no livro "Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas")

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